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quarta-feira, 9 de julho de 2014

De 1998 a 2014: O futebol e as teorias pra uma derrota humilhante

Em 1990, como já citei por aqui, eu era um infantonerd juvenil que só se aproximava de acompanhar jogos por uns minutos, pois, a empolgação de criança me jogava logo na rua ou no quintal pra bater uma bolinha e fantasiar que eu era um daqueles jogadores tão festejados, pelo menos, até o pontapé inicial, quando eles poderiam ser heróis ou ser xingados como escória da humanidade. Até hoje lembro de estar na rua quando uma vizinha me gritou do outro lado da rua, eu jogando bola com os coleguinhas da área, e ela dizia ‘Fernando, tira essa camisa do Brasil, deu Argentina!’. Eu corri pra dentro da casa de Vovó Garcia e assisti ao replay de Maradona passando a bola açucarada pra Caniggia tirar Taffarel da jogada e concluir o 1x0 que nos tiraria da Copa nas oitavas de final.


Em 1994 foi diferente, eu já vinha acompanhando jogos desde as eliminatórias de classificação, já colecionava figurinhas e cards por conta própria e até a lei do Impedimento eu já sacava. Assisti emocionado a uma seleção brasileira ser salva no último minuto com dois gols de Romário contra o Uruguai e aquela iniciativa que entrou para a cultura mundial, de ver jogadores adentrarem o gramado de mãos dadas, demonstrando o sentimento de união e vontade de vencer. Fomos campeões e eu lembro de cada lance, comentários de narração, personagens (inclusive a brutalidade do assassinato do colombiano Andrés Escobar, que eu escrevi aqui, por causa de um gol contra). Enfim, foi um deleite pra um moleque pré-adolescente e a memória afetiva ficou pra sempre.


Em 1998, mesmo com o tropeço na Olimpíada de 1996 (Atlanta), saindo pelas mãos (ou seriam pés) de uma Nigéria animada até na prorrogação com ‘morte súbita’, a equipe tinha tudo pra se renovar positivamente, afinal, o discípulo de poeta Ronaldo estava em início inspirado de carreira e os veteranos Bebeto, Dunga, Leonardo e Taffarel. A confiança de trazer o título de 4 anos antes era grande e fomos até o final jogando bem. Aí, disputamos a final contra uma França que tinha um ótimo elenco, mas que vinha tendo muito mais trabalho em suas disputas. Pra encurtar o drama, entrou convulsão de Ronaldo, time apático por levar gols em falhas bobas – pra um elenco estelar e bem patrocinado como tínhamos. Pô, pra ter noção, pintava meu cabelo de verde a cada jogo, solávamos bombinhas, fogos e tudo que tinha direito. Depois do gostinho do ufanismo e a decepção que isso traz, deixei de me referir a um time de futebol como ‘nós’.


De 2002 pra cá, resumo pra você, assisti jogos, vibrei com uns, me entediei com outros, nem o título me fez voltar à adolescência e o que veio em paralelo foi minha própria vida adulta. Descobri os prazeres da boemia, da musicalidade que eu já tinha e futebol foi ficando numa situação estranha. Passou a ser só um esporte, algo comum pra mim. Eu paro pra assistir quando tenho companhia, pra comentar os lances, mas não me empolgo e não me decepciono. Se possível, vira só uma desculpa pra beber umas com a turma. Tudo por causa da Copa de 1998. Confesso, fui um dos que acreditou em teorias conspiratórias de jogo combinado e tals... até que ouvi algo que me perturbou. Um professor falou em sala, no dia seguinte, na escola: “armação nenhuma, brasileiro não aceita perder no futebol”. Discordei mentalmente naquela hora, mas me fez observar uma coisa besta e que me pouparia do sofrimento. Eu aprendi a olhar para o outro lado de um campo e ver que ali também eram jogadores e torcedores e não figurantes em nossas festas.

2002, Brasil bateu a Alemanha na final e ninguém chorou por jogo armado.
2006, a Seleção tinha um elenco bem mais forte que esse, mas insistia em medalhões ultrapassados também.
Em 2010, novamente, um elenco bem mais experiente e forte, mas com um salto alto proporcional ao estrelato deles.

Fiz esse relato nostálgico pra exemplificar como essa derrota brasileira foi pra mim, tanto na – então – disputa do penta como foi nessa disputa do hexa: Um jogo de futebol em que um dos times tem que fazer mais gols que o outro. Quem perde sai. Independente de posicionamento político e ideológico – vou te poupar das analogias entre entretenimento e manobra midiática política por hoje – o que aconteceu foi um time de respeito, com anos de preparação e forte senso de conjunto, jogar pra ganhar de um outro time que teve um ano e meio de estruturação pra elenco e instrução tática. Brasileiro não aprende a perder e começa a achar que a Seleção é que entregou o jogo, que se tivesse rolado umas substituições a coisa seria revertida e todo roteiro típico do processo de perda. Não é assim, como em 1998, eu vi gente falando que aceitaria perder se fossem honrados 3x1, 1x0 e essas coisas. Mas, caras, em ’98, foi 3x0 e a revolta foi a mesma. Dessa vez com menos um: Eu. Rá!

Montagem capas Jornais derrota Brasil (Foto: Reprodução)
Repercussão mundial da lavada histórica que a Alemanha aplicou no Brasil.

Aprendi que treino é treino, jogo é jogo e merda acontece pra todos os lados. Meus respeitos ao time alemão, que em 2006, fez festa com um terceiro lugar estampando ‘danke’ em camisetas pra agradecer sua torcida, que vibrou com eles, em casa e não atirou tomates e cenouras por causa de uma derrota. ‘Ain, Saga, mas SETE gols?!’, é gafanhoto, muita coisa acontece dentro de um campo e levar gols e uma das principais. Este texto foi uma reflexão que tive, pois, hoje eu vejo as mesmas reações inconformadas que tive aos 16 anos. Brasileiro tem que aprender que é só um esporte e ganhar ou perder não estão no controle de só um lado. Num país em que as pessoas enchem a boca pra dizer ‘só importa o primeiro lugar, vice e último são tudo a mesma bosta’, dá nisso. Decepção infantil e estado emocional alterado. Em 1950, o Brasil nem tinha título mundial e já estava nesse oba-oba de ‘a gente pode tudo’. Perderam, colocaram a culpa no goleiro (se fosse hoje, xingariam Barbosa pelas redes sociais) e ignoraram que o outro time fica com os brios aflorados por isso. Acho que é daí que vem a máxima ‘contra o Brasil todo mundo quer crescer’, mas isso é papo pra outra divagação.

montagem capas jornais (Foto: Editoria de Arte)

Você repara como o Brasil não tem mentalidade pra reverter resultados quando tanto em campo – quando jogadores se apagam e outros correm sem objetividade – quanto torcedores entram naquele discurso infantil ‘na próxima vai ser a gente’. Não, gente, o Brasil não precisa de promessas no calor do momento, nem de ser comparado a uma família ou levar a sério essa história de ‘vamos que vamos na superação’. Precisa é de estruturação, tempo de convivência e entrosamento entre atletas e formação tática condizente com condição física. Mais treino e menos comercial de cueca, mais futebol e menos celebridade. Não adianta prometer hexacampeonato pra daqui 4 anos, se vai manter-se a mentalidade de fazer um aglomeradão de jogadores famosos e contar com o ufanismo (você acredita que nossa sociedade muda tão rápido de mentalidade?). O mundo aprendeu a jogar compacto e com objetividade, enquanto o Brasil ainda se baseia em firulas individuais e camisas do avesso, além de outras superstições ‘pé-de-pato-mangalô-três-vezes’. Esporte é fundamento. E troca. Troca, pois, pessoas de diversas nacionalidades trabalham em vários países que não suas terras natais, o Brasil, quando negocia esse tipo de intercâmbio cultural esportivo, é um ou outro já conhecido. Parece que já temos a receita do sucesso e não precisamos aprender mais nada. Sabe de nada, inocente.



Por enquanto, fica a dica: Quer aprender a tratar o futebol como esporte? Finja que é basquete ou tênis, quando você vibra por causa da bandeira que o jogador usa, mas não acha o fim do mundo quando perde. Porque, bem, se seu argumento é que os jogadores ganham muito pra perder assim, todos eles, de qualquer país, também. Um dia, o esporte no Brasil vai ser levado a sério pra não depender tanto de estatísticas passadas pra gerar confiança. Nada mais de 'chutou a bola hoje igual em 2002, quando foi campeão'.

Insisto, não sou eu.

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