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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Diversidade cultural e étnica nas HQs e no cinema

É engraçado como chamamos o racismo no Brasil de ‘velado’, se ele é descarado. Descarado e burro. Sorry pela redundância, mas os argumentos racistas não duram mais que um casamento de subcelebridades. Velado. Talvez, uma corruptela, ou uma ironia, sei lá, mas a verdade é que falar em tema racial no Brasil deixa muita gente desconfortável. Minha primeira teoria é de que se te deixa sem graça, você tem culpa no cartório, ainda posso diluir isso numa espécie de desconforto criado pelo senso comum, não necessariamente uma culpa ativa, mas uma culpa passiva, aquela que você aprende desde cedo como tabu e não quer ser o ‘chato’, ‘rebelde’ ou ‘paranóico’ a levantar na rodinha (UIA!) de conversa. Mas, como eu não tenho embaraço e se já sofro na pele, falar nisso é o mais fácil, vamos à questão: Até que ponto um personagem conhecidamente caucasiano, quando criada uma versão de outra etnia, é descaracterizá-lo e a partir daonde isso é diversificar culturalmente uma obra artística?

Falo isso sem pesquisa direcionada, apenas o que vou lendo por aí em textos, notícias, seções de comentários e opiniões variadas. É uma questão que sempre se faz presente, pois, os quadrinhos começaram a se popularizar numa época em que o racismo era quase uma instituição. Daí, você tem – vamos falar mais sobre as gigantes Marvel e Dc, por hora, ok? – inúmeros personagens caucasianos, estadunidenses e patriotas. Eram tempos de 2ª Guerra e o sentimento de catarse levava o povão a vibrar com Superman e Capitão América estapeando alemães e japoneses (representantes de nazistas, na época) em páginas de histórias em quadrinhos. É por esse início culturalmente caucasiano que os poucos negros retratados eram os bandidos, os alívios cômicos, aquelas caricaturas estilo ‘Tom depois da explosão’, com lábios grossos e aparência nitidamente tribal africana. Os poucos personagens positivamente representativos, que vieram depois, sempre traziam ‘negro’ em seus ‘nomes de guerra’: Raio Negro, Pantera Negra e outros, tipo... Tocha Humana?!.


É, é sobre o último que eu começo falando (porque os últimos serão os primeiros, Rá! Mentira, é que ele é objeto da pauta mesmo, mas estou divagando). Recentemente anunciaram um reboot geral na franquia cinematográfica do Quarteto Fantástico, então começaram as especulações de elenco, diretor e essas coisas. Normal. Aí, anunciaram Michael B, Jordan, negro, para interpretar Johnny Storm/Tocha Humana (que fora interpretado pelo, hoje, Capitão América, Chris Evans). Criou-se um burburinho e até gritaria na internet porque o personagem, nas HQs, originalmente é caucasiano e irmão de Susan ‘Sue’ Storm/Mulher-Invisível, que será interpretada por Kate Mara, que é caucasiana. Bem, a primeira leva de revoltadinhos já poderia ser rechaçada porque Johnny e Sue PODEM NÃO SER IRMÃOS nessa nova versão, ou um dos dois ser adotado, mas calma que tem mais coisa aí.

Num trocadilho dos mais safados, Chris Evans passa a 'tocha' pra Michael B. Jordan.

Por exemplo, assim como o presidente estadunidense é negro, o novo Capitão América também o é, no momento. Trata-se de Sam Wilson, o Falcão, clássico parceiro de aventuras do Capitas bandeiroso. Acontece que, desde os tempos antigos quando o Falcão era apenas um ajudante, pra cá, muita coisa mudou na sociedade mundial. O próprio Barack Obama é uma prova irrefutável. Assim, quem não aceita um Capitas negro, não pode ser apenas por ‘costume’, já que as artes refletem muito mais a realidade hoje em dia. Veja os filmes do Thor, eram pra ser todos de tipos físicos nórdicos e seu grupo de amigos é justamente multi-étnico. Influenciou em alguma coisa? NÃO! Não fez diferença modificar esse fato, assim como o Rei do Crime, naquele infame filme Demolidor (com Bem Afleck e Jennifer Garner) não se alterou usando o saudoso Michael Clarke Duncan no lugar de um grandalhão caucasiano. É isso, o resto é necessidade de inércia que não convém à humanidade.

falcamerica Stuart Immonen Rick Rmender Marvel Now falcão Capitão América

“Aiiin, Saga, mas eu queria ver se fosse o contrário, se pegassem um personagem negro e transformassem em branco pra você ver, tipo o Pantera Negra!”. Primeiro, gafanhoto, você tem que achar uma diversidade de personagens negros pra pensar no por quê de ‘desfazer’ a identidade étnica de uma minoria absoluta. Depois, você teria que ter um motivo, pois, já temos Tempestade, uma negra, africana com olhos azuis e cabelos ondulados brancos, reforçando a ideia de que os poucos personagens negros sempre são brancos pintados, como Barbies feitas apenas pra ‘calar a boca’ de quem reclama da falta de diversidade. Repare nas imagens abaixo, a personagem da direita, XS, da Legião dos Super Heróis é negra, mas devido aos traços 'caucasianos' o hábito fez o colorista meter traços loiros nela, percebe o padrão?



Voltando, (T’Challa) o Pantera Negra é o atual rei de Wakanda (chegou a estar casado com Tempestade), país fictício dentro da África, filho do rei anterior, T’Chaka, da tribo dos Panteras, cujo símbolo é uma Pantera Negra, mesmo nome do título dado a seu líder. Ou seja, se você torná-lo branco, você tira TODA a essência do personagem, ao contrário de um Tocha Humano negro que, sendo ou não irmão da Mulher Invisível, só precisa ser um porraloca e – desculpem o trocadilho – um plaboy esquentadinho inconseqüente.


É importante falar também que a aceitação é bem mais tranqüila quando falamos, por exemplo, em Lanterna Verde. O nerd dos quadrinhos até sabia, mas a maioria do público ‘leigo’ aceitou o Lanterna Verde John Stewart numa boa, naquele desenho da Liga da justiça, sendo ele o ÚNICO Lanterna de etnia negra. Alicia Masters, namorada do Coisa no filme anterior do Quarteto foi interpretada por Kerry Washington, sendo branca nas HQs e isso também não influenciou. Luke Cage, o herói de aluguel dos guetos é negro e um dos poucos com traços mais tipicamente negros (e não só o branco tingido da maioria).


A maioria dos personagens foi concebida caucasiana porque foi criada por caucasianos que visavam o mercado da época, segregado racialmente, os caucasianos é que consumiam. Da mesma maneira que a grande maioria, se não todos, os criadores daqueles tempos eram homens, o que explica a maioria das personagens femininas serem meras donzelas em apuros e, observando um pouco mais, quase nenhuma era super sem ter sua contra-parte original masculina, tipo Supergirl, Batgirl, etc. Só lembro fácil da Mulher Maravilha, pra falar em heroína autônoma, mas depois falo mais sobre isso.

Pelos trajes, você nota que tipo de público concebe as personagens, suas roupas e indica para que público elas são.

Ah, tem também o Miles Morales, o Homem-Aranha do universo Ultimate da Marvel, da mesma maneira que Nick Fury, brancão nas HQs regulares, fez tanto sucesso em sua versão ‘sósia de Samuel L. Jackson’, também Ultimate, que foi levado para o projeto Vingadores no cinema, vivido justamente por Mr. Sam ‘modafóckin’ Jackson. Teve até uma piada do personagem sobre sua semelhança com o ator no primeiro arco de histórias dos Supremos (Os Vingadores do universo Ultimate).



Então, caras, não é mudar a etnia que prejudica um personagem, é a representatividade dele. Há anos que temos personagens gays, por exemplo, e recentemente, alguns ganharam bastante destaque. Nesses casos, acho que vale mais dar uma de gente sensata e esperar por uma boa história contada direitinho do que já ficar cagando regra criando realidades imaginárias e julgando o que ainda não aconteceu. Isso é coisa de fanboy descontrolado por hormônios adolescentes. 


Sabe o que é mais legal? As crianças de hoje, diferente das crianças da minha geração - inclusive, óbvio, eu mesmo - vão poder brincar e conversar sobre o assunto de uma maneira bem mais natural e inclusiva. No meu tempo, eu só poderia escolher entre ser o Mussum, o Tião Macalé ou o Jorge Lafond. Se eu ousasse falar algo como 'eu sou o Homem-Aranha', iam me arrumar algum 'sobrenome' tipo, 'depois do incêndio', 'depois de pintar' ou ainda 'de chocolate'. Ir contra a diversidade cultural nas artes é ir contra a diversidade cultural na vida. Deixa cada um ser de um jeito e se reconhecer na grande mídia assim.

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